Vencer o medo
Hirta de medo. E com razões para isso foram assim as primeiras horas da “Preta” cá em casa.
A Xana foi sozinha buscar a “Preta”, eu bem queria partilhar o momento mas o trabalho não permitiu e não queríamos adiar. A “Preta” tinha passado as primeiras 24 horas fora do posto da BP num local que não conhecemos. Pelo que diz quem a colocou lá, para a salvar de um destino, pior não tinha as condições mínimas para que o bicho lá ficasse.
Combinou-se a “recolha” de novo no posto que foi a casa da “Preta” durante uns 8 anos.
Este relato tem que ser feito pela Xana e é por isso que escrevo esta actualização apenas em meu nome. Porque não pude partilhar tudo, e pelo que se segue.
Hirta de medo. Foi como encontrei a “Preta” ao chegar a casa. A Xana tomou todas as precauções possíveis. Para começar, tínhamos que aproximar a “Preta” das duas cadelas. Os gatos tiveram que ficar longe, temporariamente detidos numa das divisões da casa que estas coisas têm que ser feitas gradualmente.
Mas curiosamente a “Preta”não tinha assim tantas razões para ter receios. A nossa cadela mais velha claro que fez questão de mostrar quem manda cá em casa. Nunca foi de grandes amizades com outros animais e fez sentir isso à “Preta”. Mesmo assim a curiosidade rapidamente acabou por ultrapassar os ciúmes. A cadela mais nova, essa sim muito ciumenta mas nada agressiva, depressa baixou a sua crista para querer brincar com a “Preta”. Mas a agitação das duas era tanta que a “Preta”, sem saber interpretar os sinais, só queria defender-se. As cadelas rodeavam-na, cheiravam, saltavam, ameaçavam, tocavam e a “Preta” tinha mesmo muito medo. Convém saber que qualquer uma das nossas cadelas pesa mais ou menos o dobro da “Preta”, e com a altura correspondente.
Ainda na garagem, para não “chocar” logo com os territórios das outras, uma cama improvisada foi rapidamente tomada como um ponto seguro, um local onde talvez pudesse relaxar, e as cadelas aceitaram esse metro quadrado de território.
Neste momento já a Xana a tinha limpo cuidadosamente e aplicado o Advantix por precaução justificada, como seria de esperar.
Encurtando umas horas longas em que estivemos sempre alerta. A “Preta” foi de facto a única das três que chegou a rosnar, só e apenas quando se sentia muito ameaçada e encurralada, o estritamente necessário para sua defesa.
Mas nunca fez um gesto agressivo, nunca tentou invadir um território que não era o seu. Entre as três nunca houve uma dentada, nunca uma pata foi colocada com força suficiente para ferir. Houve muita desconfiança, muito pelo eriçado, e medo, nada mais.
E em menos de 24 horas alguns pequenos milagres. O primeiro passeio no jardim em comum, depois a primeira ida à rua, e foi assim que vimos o que suspeitávamos apenas. A “Preta” é um animal muito obediente, podíamos dizer mesmo muito “bem educado”. Na rua, sem trelas, onde estamos sempre a controlar para que não pisem zonas perigosas onde possam ser atropeladas, as nossas cadelas obedecem aparentemente sempre por medo de uma reprimenda, ou na esperança de uma recompensa nem que seja uma festa.
A “Preta” obedece pura e simplesmente, por vezes até parece que as suas pernas querem seguir outra direcção, mas obedece. Vem ter connosco, espera, senta, a ordem
é obedecida, logo, sem mais. E nunca fez “nada” dentro de casa que não devesse. Sabe o que é dentro, o que é fora. Num dos momentos de maior pânico pensámos que ia urinar dentro de casa, e estávamos prontos para isso, mas nem assim aconteceu. Sempre lá fora, sempre durante os passeios.
A “Preta” chegou na segunda-feira ao fim do dia. Na terça tudo estava a melhorar de tal maneira que ao fim do dia decidimos arriscar, iam comer todas juntas. Até então tinham comido em separado mas a coisa estava a ficar suficientemente pacífica para arriscar-mos. A partilha da refeição pode ser um dos momentos mais perigosos, mas como felizmente aqui não há necessidade de lutar pelo seu quinhão o ritual funcionou sem acidentes.
Só um. E não envolveu as cadelas.
Depois da ração, depois do biscoito, dei comigo sozinho com a “Preta”, na cozinha. Olhou-me fixamente. Rolou uma longa, única, funda, lágrima naquela pequeno focinho. Veio do olho esquerdo, só do esquerdo. A Xana chegou e como sempre limpou a lágrima do bicho. Pensem o que quiserem. Para mim nesse instante a “Preta” soube que aquela não era mais uma viagem. Soube que esta era a casa dela para o bem e para o mal. E eu tive a certeza que teimava em sair cá de dentro. Foi a única lágrima que lhe vi, antes ou depois.
A partir daqui, foi a primeira viagem de carro e logo com a cadela mais velha. A ida ao veterinário que se impunha, as vacinas, as comidas novas, as rotinas cá de casa.
E os gatos. Muito curiosos de início, tinham que testar a “Preta”. Houve uns “frissons” como seria de esperar. Mas rapidamente evoluíram para uma quase indiferença mútua. A “Preta” já consegue atravessar o corredor se a chamarmos e estiver um gato no meio. O gato também já a deixa passar.
Passa grande parte do tempo a dormir, é normal em situações de stress. Mas agora dorme mesmo, enquanto nas primeiras horas só queria passar despercebida sem deixar de estar em permanente alerta.
Confesso que nunca imaginei que a transição fosse tão pacífica. Até acreditava que a “Preta” tentasse tudo para se integrar, nem sei bem porquê, mas acreditava. Não sabia é como ia ser recebida.
Agora já passeia descontraída, está a aprender os seus limites na rua, os territórios que não queremos que ultrapasse. Quando saímos de casa em “bando” para uma dos passeios diários, com um de nós, ou com os dois, vê-se que quer fazer parte da “matilha”.
E agora não temos dúvidas. A “Preta” faz parte da “matilha”.
Estou muito curioso sobre a forma como se vão dar todos daqui a uns meses, cães e gatos.
sexta-feira, 5 de março de 2010
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Bonito relato. Felicidades para todos.
ResponderEliminarEstou emocionado com esse relato. Sei bem o que e recolher novos e abandonados animais em casa (gatos) pois neste momento tenho 6. Costumo dizer que havemos deir para o céu dos bichos. E vocês também irão. Felicidades
ResponderEliminar"Recebemos sempre o que há de melhor quando damos de nós o que de melhor temos."
ResponderEliminar10 estrelas!! Fiquem bem!
A "Preta" foi para tua casa?
ResponderEliminarVê é se começas a ensiná-la a mexer no iPhone :D
eheheh
Felicidades para todos!
Que tudo vos corra bem!
ResponderEliminarFica uma vez mais o meu auxílio, caso precisem de alguma coisa.
Bem-hajam !
Se ja tinha admiraçao por si, agora tenho respeito. Decerto os bons serão recompensados nem que seja pelo prazer que dão às pessoas que sabem que eles existem.
ResponderEliminarBem hajam
Jorge Miranda ( não o conhecido mas sim o anónimo)
Depois de muita lágrima, só vos quero dar os parabéns pelo vosso acto espectacular (se houver palavra mais grandiosa apliquem-na, por favor!). É assim que eu vejo quem são as boas pessoas, pelo que fazem pelos animais... Vocês tem um duplex "lá em cima" ou triplex;) Um bem hajam! Ou dois, ou três!! E muitas, muitas felicidades a essa família grande e linda!
ResponderEliminarCheguei aqui pela "patinha" do Van Dog.
ResponderEliminarFiquei doente, emocionada e feliz com a história da Preta. Tenho a certeza que a mudança de lar e familia a fará cada vez mais feliz a cada dia que passa. A BP é uma empresa, não tem sentimentos e o "afecto" é só pela carteira dos clientes que todos os dias lhe enchem as caixas de euros.
O meu Bem Haja a todos os que lutaram pela Preta e em especial a vocês, que são sem duvida excelentes pessoas.
Em breve, a Preta e os seus "irmãos" de quatro patas vão estar em perfeita harmonia.
Milhões de Felicidades para os donos e bicharada :)